Tomei conhecimento do Padre Pio já no Seminário Maior de Prainha, em Fortaleza, onde estudava. Li um livro e artigos sobre este homem de Deus que trazia no corpo os estigmas da Paixão.
Meu interesse por ele transformou-se em profunda devoção quando em junho de 2000, fui acometido por uma enfermidade extremamente grave. No mês anterior, em 18 de maio, me encontrava em Roma, participando da celebração de ação de graças pelos 80 anos de vida do Papa. Já antes, mas sobretudo durante a Missa, senti dores insuportáveis no braço e no ombro esquerdos.
Na viagem de volta ao Brasil, as dores tornaram-se mais intensas. Do aeroporto me dirigi imediatamente ao consultório do meu médico, que me receitou calmantes e anti-inflamatórios. Em consequência, acometeram-me uma hemorragia generalizada, especialmente dos aparelhos digestivo e urinário, bem como lesões dos pulmões (lesões com aspecto de flocos de neve), insuficiência cardíaca grave e hipertermia
(febre de 40 graus), complicando assim o quadro clínico.
Na noite de 5 de junho, ao ser levado à emergência do hospital da UNIMED, por insistência duma religiosa que cuida da minha casa e de uma
senhora amiga, o sangue saia abundante pela urina e pela boca. Meus lábios e unhas estavam cianóticos por insuficiência cardiorrespiratória. Falava com dificuldade. Se tivesse permanecido em casa, como era meu desejo, esperando o novo dia, teria certamente morrido.
No caminho, lembrei-me do padre Pio. Pedi-lhe que considerasse o hospital para onde eu estava indo como o seu hospital de San Giovanni Rotondo, e os médicos que iriam me assistir, como os seus médicos. Não lhe pedi um milagre instantâneo, por não me julgar merecedor. Contentava-me com uma cura lenta.
Para os médicos minha sobrevivência naquela noite foi inexplicável, tamanha a complicação do quadro patológico instalado abruptamente, com infecção e hipertermia severa, agitação e obnubilação mental na fase aguda do processo patológico. Estava sedado e só despertei de manhã, quando me levaram a um apartamento. Sentia-me extremamente cansado, com dificuldade de falar e andar. Tentei rezar o terço não consegui. Limitei-me a acompanhar sua recitação. Entretanto não sentia qualquer dor.
Sensatamente, e com extraordinária tranquilidade, o médico, Dr. Egino Sarto, não me levou para UTI, nem me deu transfusão de sangue. Somente soro e medicamentos, depois de aspirar o sangue do estomago, através de uma sonda naso-gastrica. O quadro agravava-se com a presença de hemorragia intestinal. (Hematoquizia) e hematúria total (sangue na urina).
Ao examinar a radiografia do pulmão, o radiologista experiente, que desconhecia a causa da doença exclamou: câncer generalizado no pulmão! E para espanto dele eu não estava respirando com aparelhos.
Os exames nada ajudavam para esclarecer o diagnóstico, a fim de estabelecer uma terapia adequada.
O caso foi discutido por diversas equipes especializadas. O mesmo com a utilização de toda a tecnologia existente, não chegaram a conclusão e etiológica do processo patológico, diante da agressão e gravidade da doença, com elevado risco de vida. A recuperação foi lenta. Vinte e dois dias hospitalizado e quase um ano para o completo restabelecimento. Mesmo quando regressei à minha casa o cansaço para andar e a dificuldade para falar ainda eram acentuados.
Mas onde entra o Padre Pio em tudo isto? Já no apartamento extremamente fatigado, falando baixinho, desinteressado pelas coisas desta terra, pedi a ele um sinal da sua presença. Lembrei-me do “suave perfume” com que costumava me responder aos pedidos de graças.
O perfume que inundou o convento quando de sua morte. O perfume com que surpreendia os amigos, indicando sua presença.
Na manhã do segundo dia de hospitalização um auxiliar de enfermagem, ao entrar no apartamento exclamou em voz alta, espontaneamente: “Que perfume agradável vocês colocaram aqui!” Não o senti, nem a religiosa e a senhora que ali se encontravam. Elas disseram simplesmente que não estavam usando perfume. Para mim era um sinal inequívoco de que ele entendera ao meu pedido e me acompanhava.
Padre Pio prolongou a minha vida, a fim de que, por mais quatro anos eu pudesse servir a Igreja como arcebispo de Brasília. Com gesto de gratidão, apesar de ele ser ainda beato e, por isso só poder ser honrado como patrono nas igrejas de sua Ordem Religiosa, a Congregação para o Culto
Divino autorizou-me a torna-lo patrono de uma paróquia a ser criada em Brasília, numa região privilegiada – O Sudeste. E para surpresa minha, determinou que, em toda arquidiocese de Brasília, a festa dele fosse celebrada como memória facultativa. Ao ser canonizado, o santo Padre estabeleceu que seria memoria obrigatória para toda a Igreja.
Creio que foi a primeira paróquia no mundo erigida em honra do Padre Pio.
Quase um ano depois me submeti a uma cirurgia de ablação parcial da próstata e retirada de cálculos da bexiga. Recorri novamente ao meu protetor, pedindo-lhe um sinal de sua presença. No dia seguinte à cirurgia, uma jovem auxiliar de enfermagem que me pareceu pouco comunicativa, ao verificar a sonda, disse espontaneamente: “Sinto um perfume como se fosse um creme, saindo do seu corpo”.
Ao perguntar-lhe se era católica, disse-me que era evangélica. E cuidava dos doentes com amor, procurando ajudar os mais desesperançados. Elogiei o testemunho que dava de sua fé e do amor cristão. Mais tarde ao voltar ao apartamento, já agora com um leve sorriso, me observou: “Sinto novamente aquele perfume” de que lhe falei. Era o Padre Pio manifestando uma vez mais a sua presença em minha vida, através desta jovem evangélica.
Dou este testemunho para que, procure imitar o exemplo do Padre Pio em seu seguimento radical de Jesus Cristo e nas horas de sofrimento físicos, morais ou espirituais recorreram à sua intercessão. Considero o Padre Pio um grande santo, não só por ter sido um taumaturgo em vida e também depois da morte, mas por se ter identificado totalmente com Jesus crucificado. A Cruz de Cristo que lhe coube carregar não foi apenas a dos estigmas da Paixão, mas também as dos sofrimentos físicos e morais que o acompanharam durante a vida. Graças a ele, pecadores e sem fé religiosa se converteram a Jesus. O lugar privilegiado do caminho da conversão foi sempre o confessionário, no qual se fazia presente durante longas horas diárias.
Padre Pio foi um contemplativo e um místico. Viveu nesta terra a experiência de Deus. Suas visões antecipavam o mundo que há de vir. Ao celebrar a Missa, sentia-se transportado para o sobrenatural. E era para todos os que a ela assistiam um convite à conversão e à santidade.
Não é de admirar que a sua canonização tenha se constituído no maior acontecimento religioso da praça de São Pedro. Uma multidão incalculável, não só de católicos, mas também de outras crenças. Pois o Padre Pio, como estampava um diário de Roma, é “o santo de todos”. “O santo do povo”, como falava o papa João Paulo II.
Por cinco vezes visitei San Giovanni Rotondo, e sempre com emoção celebrei junto ao túmulo do Padre Pio para lhe agradecer a graça de me prolongar o inestimável dom da vida, bem como pela sua presença em meu ministério pastoral.
José Card. Freire Falcão.
Arcebispo Emérito de Brasília.
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