Ele começou a confessar e eu, rezando o Breviário, seguia e via o Padre.
De repente, vi entrar na sacristia, vindo da igreja pela porta direita do altar, um homem robusto, na casa dos quarenta. Tinha cabelos grisalhos, olhos escuros, pequenos e vivos, casaco escuro e calças à riscas.
Deteve-se por instantes sob a ombreira da porta, e depois, em passo cadenciado, avançou, primeiro dando uma olhadela a toda sacristia, depois fixando-me com desprezo por alguns momentos.
Começou a andar para trás e par frente no espaço entre a tenda e o lugar onde eu me encontrava de pé, roçando o ângulo onde se uniam as cortinas.
Os homens, para se confessarem, entravam pela sacristia e saíam pela direita. Aquele homem ao contrário, logo que saiu o penitente pela direita, sem aguardar sua vez, passou à frente de todos e foi-se enfiar precisamente no centro, escancarando as cortinas e ficando de pé diante do Padre Pio, que eu já não conseguia ver.
AS primeiras impressões sobre aquele homem levaram-me a seguir seus passos. Enquanto antes tinha levantado os olhos do Breviário recitando-o de memória, para o seguir agora que me tinha ocultado o Padre estava a baixá-los para prosseguir a leitura.
Pouco depois, uma voz interior deteve-me: “Olha,olha,vem aí!”
Levantei os olhos do Breviário e vi aquele homem de pernas escarranchadas sair e desaparecer. Fiquei admirado com o fato,mas não perturbado.
Olhando de novo para o Padre, que ficou a descoberto, vi-o claramente sob o semblante de Jesus.Tinha uns trinta anos, vestido com o hábito franciscano, cabelos louros e compridos, barba discreta e bem tratada, olhos azuis, rosto oval e bonito.
O busto estava totalmente recostado para trás no cadeirão. Esteve alguns momentos assim.Depois, ao chegar-se para frente,começou a retomar o seu semblante e imediatamente, com extrema desenvoltura, gritou em voz alta:”Moços,despachem-se,não me façam perder tempo!”
Os homens não tinham visto sair ninguém pela direita,por isso esperavam em vão do outro lado, não podiam seguir a cena senão através da brecha das cortinas, diante da qual me encontrava apenas eu.
AS confissões foram, então, retomadas regularmente. Eu pedi no meu coração ao Padre que, um dia, me dissesse o que aconteceu, explicação que ele me deu um ano depois.
No ano seguinte estávamos todos na varanda: falava-se com o Padre Pio do Livro Celestino IV de Giovanni Papini,onde se afirmava que um dia, depois de milhares de anos no inferno, também os demônios foram para o céu.
O Padre Pio estava calado,mas indicava com a cabeça que não concordava com aquilo que estava escrito no livro.
Perguntaram-lhe a sua opinião. Ele respondeu assim:”Recordo-me de ter lido que um pobre sacerdote estava na sacristia a confessar. De repente entrou um homem na casa dos quarenta anos, olhos escuros, cabelos grisalhos, casaco escuro, calças às riscas e, passando à frente de todos, apresentou-se diante do confessor, permanecendo de pé. O sacerdote convidou-o a pôr-se de joelhos, mas ele respondeu:”Não posso!” Pensando que fosse doente, perguntou-lhe seguidamente que pecados tinha cometido. O homem confessou tantos pecados que parecia que todos os pecados do mundo tinham sidos cometidos por ele. O sacerdote, depois de lhe ter dado alguns conselhos oportunos, convidou aquele estranho penitente a inclinar ao menos a cabeça, para lhe dar a absolvição. Este respondeu-lhe novamente: “ Não posso.” “Nessa altura”, contava o Padre Pio, “ o sacerdote disse: “Amigo, pelo menos quando vestes as calças de certeza que baixas um pouco a cabeça, não é verdade?” O homem olhou com desdém para o sacerdote respondeu: “ Eu sou Lúcifer, no meu reino não existe flexões.”
O Padre Pio concluiu: “ Se lúcifer e os demônios não se podem inclinar perante Deus, muito menos poderão ir para o céu.”
Depois de outros naturais esclarecimentos, o Padre Pio levantou-se para ir para a cela n°1.
Aproximei-me dele sob a ombreira da porta e disse-lhe: “ Padre, aquele sacerdote de quem estava a falar, era o próprio Padre. O fato aconteceu-lhe o ano passado, lá embaixo na sacristia, eu estava presente.”
O Padre Pio entristeceu-se e, chorando, respondeu-me: “Sim, é verdade, aconteceu-me a mim, mas é verdade também que li esse episódio num livro.”

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