Se Padre Pio era um mistério para si mesmo, não o era menos para seus guias espirituais que, nas cartas que ele envia-lhes, descobriam uma sucessão de experiências místicas: assaltos diabólicos quase contínuos, participações nas dores do Salvador em sua Paixão, intervenções sensíveis de Jesus, de Nossa Senhora, de santos e de anjos, palavras interiores… Tudo se imbricava estreitamente; mais exatamente, as manifestações extraordinárias inscreviam-se na dupla trama de sofrimentos físicos e espirituais constantemente renovados, que sucediam-se permanentemente, como que abalando-se uns aos outros.
Os dois diretores esforçavam- se por ver claro. Buscavam os tratados clássicos de discernimento dos espíritos, recorriam aos textos de São João da Cruz e Teresa d’Avila. Conseguiam situar mais ou menos essa experiência fora do comum no quadro das quintas moradas — a união extática — descritas pela reformadora do Carmelo, mas ao mesmo tempo ficavam desconcertados com a riqueza e a profusão dos fenômenos, pela aparente contradição manifestada pela simultaneidade das mais elevadas graças de união e de provações interiores de uma tal aspereza que ocasionavam verdadeiras agonias, cujas repercussões somáticas eram às vezes de extrema violência. Sobretudo admiravam, confundidos, os efeitos da graça divina na alma do jovem padre: uma docilidade e uma humildade crescentes, aliadas a uma força de alma pouco comum, a uma segurança sobrenatural que se defrontava com as realidades humanas sem ser abalada em nada, uma caridade ardente que se traduzia em atos, uma paz e uma alegria de espírito que não era perturbada pelas turbulências da sensibilidade, do imaginário, e nem pela lembrança às vezes obsessiva das faltas e dos erros antigos aos quais uma memória ora fraca, ora exacerbada, conferia uma gravidade fora de propósito. Parecia que essa alma deveria ser provada e purificada no cadinho da dor, a fim de ser ao mesmo tempo enriquecida com os mais extraordinários dons da graça.
Imerso nesse combate espiritual, Padre Pio não estava em condições de analisar o que se passava com ele; quando procurava fazê-lo, tudo se lhe tornava incompreensível ou angustiante. Vivia nesse momento a noite de Gethsemani, entrecortada às vezes pelas fulgurações do Tabor, recusando-se a apegar- se a estas últimas. Bem consciente do caráter excepcional do que experimentava, não via nisso senão o meio pelo qual Deus realizava seu desígnio de amor não somente nele, mas através dele em todos os seus irmãos: “Santifica- te e santifica! Desapegado das formas extraordinárias de que se revestiam as operações divinas, só aspirava ao despojamento do amor substancial dos autênticos buscadores de Deus:
Saiba, padre, não atribuo nenhuma importância à esse estado extraordinário que é o meu: também não cesso de pedir a Jesus que me conduza pela via comum às outras almas, não sabendo se a via por que me conduz a divina misericórdia convém à minha alma, ainda habituada a alimentos muito materiais.
Ele sabia dever unicamente a Deus os favores de que era inundado, perante os quais não via em si mesmo senão pecado e ingratidão.
Livro: Das sanções do Santo Ofício ao esplendor da verdade
Joachim Bouflet
Página 191
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