A história de Padre Pio e Cleonice Morcaldi parece ter sido tirada de Fioretti de São Francisco. Em certos aspectos, também faz lembrar a antiga lenda de Frei Jacoba de Settesoli.
É a história do encontro de um grande santo e de uma moça humilde e simples que, fascinada pelos ideais religiosos, decide dedicar a própria vida à Deus. Não o faz, porém abandonando o mundo e fechando-se num convento. Fica ao lado de Padre Pio, a fim de colaborar nas suas obras e de ajudá-lo, com seu
afeto e apoio, a levar a cruz imensa de sofrimentos físicos e morais que pesava sobre os ombros do frade estigmatizado.
Missão especial. Desígnios misteriosos de Deus. Uma “piedosa mulher”, compadecida, no caminho do Calvário daquele que foi um “segundo Cristo”. “A sua alma foi-me confiada por Deus no dia da minha ordenação sacerdotal”, disse um dia o Padre a Cleonice.
Quando Cleonice Morcaldi nasceu, a 22 de maio de 1904, Padre Pio tinha 17 anos. Nesse mesmo dia, no convento de Moncalvo, ao fim de um ano de noviciado, o Padre fazia a sua profissão na Ordem dos Capuchinhos, ou seja, nascia para a vida religiosa. Mais tarde, repetirá por várias vezes a Cleonice: “Um padre nascia para a vida religiosa, e uma filha era dada à luz”.
Cleonice era filha de gente pobre. Tinha quatro irmãos. Aos 5 anos ficou órfã de pai. Sua mãe, Carmela, ainda jovem, teve de assumir responsabilidades enormes e sacrifícios indizíveis. “Em casa reinava uma miséria terrível” – escreveu Cleonice nos seus Diários. “Morávamos num sótão, sem luz nem mesa. Comíamos apenas arroz, sem condimentos.”
Certo dia, desesperada pela vida atribulada que tinha, e preocupada com o futuro dos cinco filhos, Carmela dirigiu-se ao Convento dos Capuchinhos, em busca de um pouco de conforto junto daquele religioso, de quem todos falavam.
O corredor do primeiro piso do convento estava apinhado de gente. Padre Pio estava no meio do povo e escutava as suas histórias. Vendo-a ao longe, disse: “Deixem passar aquela pobre mulher”. Na sua humildade, Carmela ficou confusa, sem conseguir compreender como era possível que o Padre tivesse reparado nela. Aproximou-se lentamente e Padre Pio pediu-lhe que o seguisse para um cômodo situado ao lado da sacristia. Mandou-a sentar e disse-lhe: “Bem, Carmela, que tem pra me dizer”? A mulher ficou de novo assombrada, ao ouvi-lo chamá-la pelo nome, pois nunca, até aquela data, se encontrara com o Padre.
Abriu-lhe então o seu coração e confiou-lhe as suas amarguras, as suas dores e as suas grandes preocupações; falou-lhe dos filhos e da miséria em que se via obrigada a criá-los.
Padre Pio escutou-a e depois disse-lhe: ” Está vendo, Carmela, aqueles passarinhos, lá fora, que voam felizes? Não semeiam nem colhem, mas encontram sempre o alimento de que precisam”. Em seguida falou-lhe dos lírios do campo, como está escrito no Evangelho, e concluiu com a frase de Jesus: ” Se Deus olha assim pelas aves e pelos lírios, quanto mais não olhará por nós, que somos seus filhos!” O Padre falava com grande serenidade e convicção, e as suas palavras transmitiam ao coração de Carmela esperança e confiança. Finalmente terminou: “Sossegue, pois antes de morrer verá todos os seus filhos encaminhados na vida.
Naquele dia Carmela regressou a casa transformada. Um potente raio de luz tinha entrado nas trevas de sua existência miserável. Começou a trabalhar como um animal de carga, continuou a viver com grandes privações, mas tinha encontrado uma razão para os seus sofrimentos, uma esperança perante suas preocupações, e agora suportava tudo com força.
“A minha mãe” – escreveria Cleonice -, ” embora obrigada a enfrentar diariamente problemas enormes, nunca se queixava. Tinha uma grande paz interior e a transmitia à família, citando continuamente as palavras do Padre. Padre Pio gostava dela e ela suportava todas as suas cruzes e só com ele desabafava, quando se ia confessar.
Levantava-se cedíssimo, de manhã, para a assistir à Missa do Padre e receber dele alguma palavra de alívio e de ânimo.
Certo dia de inverno, a neve acumulava-se lá fora e fazia muito frio, mas ela não deixou de ir à Missa. Depois se deteve para cumprimentar o Padre e este, percebendo que ela estava pouco agasalhada, disse-lhe: ‘Com este tempo, veio só com um lencinho na cabeça. Não tinha um xale para trazer?’ A minha mãe respondeu-lhe: ‘Não, Padre, não tenho nenhum’. E ele prosseguiu: ‘ Vai comprar um. Toma, deram-me isto para os pobres’, e meteu-lhe treze liras na mão. Ela obedeceu. Nesse mesmo dia foi a uma loja, escolheu um xale e perguntou o preço: ‘Catorze liras’, respondeu o dono. ‘Faça por um pouco menos’, suplicou a minha mãe. ‘Então bastam treze liras’. Era a quantia exata que Padre Pio lhe tinha dado”.
Depois de terminar os estudos intermediários, em San Giovanni Rotondo, Cleonice inscreveu-se no magistério, em Foggia. A sua mãe assim o quisera, certamente por sugestão de Padre Pio. O Padre sabia que, para aquela pobre gente, a instrução era um meio de vencer a miséria.
Cleonice estudava em Foggia com a irmã Antonieta. Instalara- se num pensionato, daqueles reservados às moças mais pobres. Escreveu ela:
“Ocupavamos um grande cômodo e éramos, ao todo, cerca de dez estudantes, sentindo-nos, por isso, apertadas, espremidas. Cozinhávamos por turnos: um prato de arroz, sempre arroz. O horário da escola era único. Eu e a minha irmã íamos para a escola em jejum, sem ter engolido sequer um pedaço de pão ou um gole de café. À noite, um pouco de pão e um cardo (com espinhos), o mesmo que comiam os burros. Nunca uma fruta, nem um pouco de carne ou de ovo, ou uma fatia de queijo. Hoje não compreendo como conseguimos continuar vivendo. Contudo, Deus ajudava-me. Nunca tinha dores de cabeça. Estudava à luz de uma vela que o tio me mandava. Todas as semanas, a mãe mandava- nos um pão de cinco ou seis quilos que ficava duro e às vezes embolorava”.
Cleonice não sabia nada a cerca de Padre Pio. Nunca o tinha visto. A sua mãe citava de vez em quando as palavras do Padre, mas com pudor, com reserva, sem impor as suas convicções aos filhos.
Cleonice estudava com afinco e era boa aluna em todas as matérias, exceto no italiano, disciplina fundamental para o tipo de escola que frequentava. Por isso, quando chegou ao último ano, em que deveria receber o diploma, teve dificuldades. Foram essas dificuldades que a levaram a pensar em Padre Pio.
“Para ser aprovada” – conta Cleonice nos Diários – “era preciso ter, pelo menos, média sete e, sobretudo, ter muito boas notas na disciplina de italiano; tentei por isso encontrar quem me ajudasse. A primeira prova foi corrigida por dois mestres, mas mesmo assim só obtive cinco. Senti-me desmoralizada. Nunca conseguiria passar no exame. Lembrei-me então de Padre Pio. Escrevi-lhe um bilhete e enviei-lhe através de minha mãe.
Esperei uma resposta, e eis que recebi o primeiro bilhete do Padre a 19 de dezembro de 1920. ‘Alma do querido Deus, não tema, Tenha confiança em Deus e tudo correrá bem. Estude com amor e obterá, a seu tempo, a recompensa merecida. Com os professores cá nos havemos de entender, eu e Deus. Desejo-lhe muitas felicidades para o Santo Natal do Menino Jesus. Abençoo-a com efusão equiparável à necessidade e ao desejo que sinto de vê-la santa. Padre Pio.
Cleonice passou de forma brilhante em todos os exames, obtendo o diploma aos 18 anos. Regressou finalmente a casa, orgulhosa e feliz pela meta alcançada. Todavia, para poder começar a lecionar, tinha de enfrentar novo obstáculo, muito maior: o exame do Ensino Oficial.
Já tinha esquecido a ajuda recebida de Padre Pio. Embora tivesse regressado a San Giovanni Rotondo, não fora agradecer ao Padre e nem sequer tinha pedido à mãe que o fizesse.
Agora, para se preparar para o exame, recorrera a um religioso do convento, que em San Giovanni Rotondo tinha a fama de ser culto.
Apresentei-me ao exame segura e despreocupada. Fui reprovada.
O meu amor-próprio estava ferido de morte. Não me atrevia a sair de casa. Os nomes dos aprovados e reprovados tinham sido publicados no jornal, e toda região fora informada do meu fracasso. Não parava de chorar.
A minha mãe também estava muito aborrecida e decidiu levar- me a Padre Pio.
Chegando ao convento, enquanto a minha mãe falava com Padre Pio, eu cheia de vergonha, fiquei escondida atrás do poço. Ouvi o Padre repetir sem cessar: ‘Deve continuar a vir aqui’. Depois, voltando-se para mim, animou-me: Deve estudar com o Padre Gaetano, que é ótimo, muito culto, e que a preparará para o exame como deve ser e tudo correrá bem.
Foi esse o primeiro encontro de Cleonice Morcaldi com Padre Pio. Ela que, mais tarde, nos quarenta anos seguintes, nunca se cansará de fazer perguntas ao Padre, a fim de ser iluminada sobre a vida da perfeição, mas também pela sua curiosidade em saber, não teve coragem para dizer uma única palavra naquele primeiro encontro.
“Certo dia” – escreveu Cleonice nos seus Diários – “vendo muita gente precipitar-se pelo corredor afora, para beijar a mão de Padre Pio, decidi fazer o mesmo. Tinha nas mãos a folha da composição, corrigida por Padre Gaetano. Entrei na sacristia. O Padre estava despindo os paramentos sagrados. Aproximei-me, hesitante, e beijei-lhe a mão. Ele perguntou-me: ‘ Que traz na mão?’. ‘A composição corrigida pelo padre Gaetano.’ ‘Deixe-ver.’ Leu as primeiras duas linhas: ‘A alma da criança é um jardim florido’. Jogando a folha no chão, exclamou: ‘Toda a sua sabedoria reside nisso? Até um burrinho lá chega!’.
Apanhei a folha, confusa, perante à tanta gente que me olhava com compaixão. Afastei-me sem dizer nada, mas com o orgulho ferido. Estava sofrendo. Quando fui confessar-me, disse-lhe: ‘Padre, era preciso humilhar-me no meio de toda aquela gente? Que vão pensar de mim? Podia ter-me dito em segredo. Eu não teria sofrido tanto. Além disso, aquele tom de desprezo!’. O Padre escutou-me e depois replicou: ‘Bem, se eu o tivesse dito aqui, você não teria sofrido nada. É a reprovação feita em público que cura as chagas do amor-próprio e da vanglória e, se me permite, direi ainda, do respeito humano’. Foi a primeira lição que recebi de Padre Pio. Era o primeiro passo da minha alma na escola de Padre Pio.
O diálogo tinha começado. O Padre tinha dado a entender à moça que, ao seu lado, deveria pensar apenas no caminho do ascetismo. Ele queria ajudá-la, não a ser boa aluna na escola, mas na vida. Oferecia-lhe a possibilidade de empreender o caminho da perfeição, e “a moça, embora não compreendesse bem o que estava acontecendo, estava decida a segui-lo.
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