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Um fato que lhe ficou gravado para sempre aconteceu por volta dos oito anos.
Um dia o pai resolveu levá-lo a São Pellegrino, vinte e seis quilômetros de distância. Pellegrino tinha fama de ter mãos largas com os que lhe pediam graças. Por isto o seu modesto santuário atraía levas de devotos de todo o sul da Itália.
Grazio preparou o burrinho, e de madrugada ainda, lá se foram os dois. Enquanto com uma das mãos controlava a montaria, com a outra segurava o menino, amarrado a si com uma corda, para o caso de pegar no sono. Encontraram o santuário atulhado de gente rezando, gritando e chorando, como era de hábito no sul da Itália.
Com esforço e paciência, conseguiram chegar até o altar. O pai, depois de fazer suas preces e despachar seus pedidos, fez sinal ao filho de que estava na hora de sair, mas o pequeno tinha os olhos cravados numa cena jamais vista: uma mãe segurando no colo um verdadeiro monstrinho: idiota, disforme, esquelético, cabeça descomunal, boca escorrendo baba. De repente estremunhava, se agitava, emitindo sons que mais pareciam grasnidos de gralha do que gemidos humanos.
A pobre mãe rezava de olhos pregados na imagem. Seu rosto aparecia marcado por um sofrimento profundo,como se a desgraça tivesse destruido todas as suas energias interiores. Voz suplicante, não se cansava de importunar o santo com palavras ressentidas e quase blasfemas: “Vim aqui pedir a cura do meu filho. É uma vergonha ter uma criança assim. Por favor, São Pellegrino, compreenda. Cure-o, o senhor pode, é só querer. Então? O coitadinho está à sua espera. O senhor pode curar o meu filho, deve curá-lo “.
E continuava a embalar ostensivamente a criança diante do altar, para mostrá-la ao santo.
Francisco não tirava os olhos da mulher e da criança. Sentia- se tocado, comovido, envolvido por tamanho sofrimento.
Aos poucos, o pequenino adormeceu e deixou de emitir aqueles grasnidos de gralha. Enquanto a mãe continuava suplicando: ” Veja – não se cansava ela de insistir – , estou lhe pedindo uma coisa razoável: a saúde do meu filho. Que quer que eu faça com ele do jeito como está? Olhe para ele, por favor, cure-o depressa”.
Grandes lágrimas rolavam por suas faces. Mas o santo não respondia. De repente, a criança acordou e voltou a emitir seus gritos de forma ainda mais enervante. Então, num ímpeto de desespero, a mulher o agarrou com as duas mãos e o arremessou sobre o altar como uma bola de trapos, gritando: ” Se não quer curá-lo, tome-o aqui, peça à Deus que o receba de volta”.
Diante daquele gesto desvairado, caiu sobre a multidão um silêncio de espanto, que logo se transformou num grito ensurdecedor de alegria, de entusiasmo, de verdadeiro delírio. A criaturinha disforme, ao invés de ficar meio morta com a queda, se pôs de pé sobre o altar. O pequenino rosto brilhou. Seus olhos mortiços animaram-se, e largou a gritar: mamma, mamma.
Com um uivo de louca alegria, a mulher voou por cima da grade que a separa do altar, jogou-se sobre a criança e começou a beijá-la freneticamente, chorando e gritando:
” Milagre, milagre, milagre!”
Num instante juntaram-se todos ao redor, entre gritos e aplausos:
_ Bravo, São Pellegrino, é isto mesmo, é assim que se faz!
Diante do tumulto que se formava, apareceu também o reitor do santuário. Constatado o milagre, mandou tocar o sino grande, que anunciava ao povo mais um prodígio operado pelo santo.
A poucos metros de distância, Francisco não perdia um detalhe. Continuava fixando a criança curada, a mãe e a multidão comovida, como se estivesse enfeitiçado. Foi tirado daquele êxtase pelo pai:
_ Vamos embora, Chico… _ repetia-lhe, sacudindo-o.
_ Só um pouquinho mais, pai…
Não queria perder nada. A noticia do milagre já havia dado a volta à praça.
Vendo gente acorrer de todos os lados, Grazio deu mais um safanão no filho:
_ Vamos, vamos! Que temos mais a fazer aqui?
Mas Francisco parecia pregado no chão. O espetáculo da multidão se acotovelando ao redor da criança o fascinava, o assombrava. Depois de um enésimo safanão do pai, finalmente se mexeu. Mas era tarde. Como sair do meio daquela maré humana em delírio? A solução foi meter o garoto a cavaleiro sobre os ombros e pacientemente ir rompendo o bloqueio em direção à porta.
” Como veem – comentaria mais tarde o Padre – esta gente não tinha maneiras muito finas, mas tinha fé, uma fé capaz de transportar montanhas “.

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