Outro que em San Giovanni Rotondo trilhou o caminho de Damasco foi o médico Francesco Ricciardi. Ateu militante e inimigo confesso do padre Pio, durante anos tinha liderado uma campanha difamatória contra ele e contra a religião. Considerava o Padre como perigoso expoente de uma doutrina contrária ao progresso material e intelectual. Para melhor observá-lo, foi morar nas proximidades do convento, uma “cova de obscurantismo e charlatanice” – conforme ele. Em sua casa reunia os notáveis da cidade, que juntos tramavam contra os frades, e isto por anos a fio.
Como presidente que era da Câmara e como homem honesto e preocupado com a situação de pobreza do povo, ao qual, como médico, atendia gratuitamente, conseguiu imprimir forte impulso no comunismo local. Tão forte que, segundo o padre João Siena, dos aproximadamente 9.000 eleitores do lugar, nada menos de 4.000 votaram nos comunistas.
Diante daquelas campanhas difamatórias, padre Pio sofria e calava. Mas em seu coração ganhava força e a ideia de uma desforra. E a hora dessa desforra chegou repentinamente. O médico adoeceu. Seus colegas, unanimemente diagnosticaram câncer na garganta. Pensaram em cirurgia, mas era tarde. Em pouco tempo, a doença devastara de tal maneira o organismo do pobre Ricciardi que não havia mais perspectiva de salvação.
A notícia provocou um corre-corre, pois ele era conhecido e amado em toda a região.
Um de seus amigos resolveu então chamar o pároco José Prencipe. Mas, ao vê-lo, Ricciardi se pôs aos gritos:
– Bom voglio preto, não quero padres.
E para tornar mais eloquente sua recusa, arremessou-lhe um chinelo.
Sem deixar-se impressionar, o pároco continuou insistindo. O que estava em jogo, mais do que a própria honra, era uma alma imortal.
– Por favor, me deixe em paz! – suplicava o doente. – Se há um padre com quem aceitaria me confessar seria o padre Pio.
Mas estava certo de expressar um desejo impossível, pois o padre Pio – e ele bem sabia disto –, por causa de certas restrições de Roma, estava proibido de sair do convento. E também por causa das calúnias que ele, Ricciardi, e seu grupo vinham maquinando contra.
– Certamente nem aceitará me visitar – concluía ele. – Tudo bem, vou morrer como vivi, e pronto.
Quando a notícia chegou ao padre Pio, ele não hesitou um instante.
Falou com o superior da casa, que não só autorizou a ir, como fez questão de acompanhá-lo. Enquanto padre Pio subia à capela para apanhar os santos óleos e o viático, o superior entrava em contato com o prefeito Morcaldi, que imediatamente providenciava um carro. E assim, em pouco tempo, aportava à casa do enfermo. Com seu Deus apertado ao coração, entrou no quarto e… que surpresa! Apenas viu o doente estendido na cama, padre Pio abriu os braços e lhe sorriu como só ele sabia fazê-lo, um sorriso de criança.
Naquele momento, o mau cheiro produzido pelo adiantado estado do câncer foi suplantado por um maravilhoso perfume.
O velho ateu olhou-o estupefato. Incapaz de dizer qualquer coisa, limitou-se a murmurar:
– Me perdoe, Padre!
Foi o início de uma longa conversa, seguida da confissão, comunhão e unção dos enfermos.
– Agora tenho tudo para morrer – reconheceu conformado o médico.
Fora o golpe fulminante vibrado por Deus contra o seu ateísmo.
Por parte do Padre, chegara o momento da “desforra”, longamente suspirada. Mas foi uma desforra diferente, à moda dos santos.
– Doutor – disse-lhe sorrindo –, vejo que está realmente preparado para morrer. Mas… vai continuar vivendo.
Um brilho inusitado fuzilou nos olhos de Ricciardi. Um brilho agradecido e triunfal ao mesmo tempo.
Lá fora a neve continuava caindo em flocos sobre a pequena multidão que se formara e crescia a cada minuto. Sem nenhum anúncio que o padre Pio estava descendo ou já descera à cidade para atender ao médico, a notícia passou rapidamente de boca a ouvidos, de boca a ouvidos, como acontece ao se comunicar um segredo. E pôs todos a correr, não, porém, como de outras vezes, brandindo foices e paus, mas num clima religioso silêncio, carregando na mão uma simples lamparina a querosene para iluminar os próprios passos. Todos tapados com capas, sobretudos e golas levantadas e xales na cabeça aguardavam a saída do Padre.
De repente a porta se abriu, todos num gesto reverente saudaram o homem de Deus que saía do quarto e caminhava sobre o tapete de neve, em direção ao carro.
Naquela noite memorável – comenta Mistichitelli que nasceu e viveu em San Giovanni Rotondo – o povo escreveu uma das “páginas mais estupendas de sua devoção ao Padre Pio”, acorrendo em poucos instantes, enfrentando o frio e a neve, para acompanhá-lo.
Para estupefação dos médicos, que nos próximos dias fizeram uma série de radiografias, nenhum vestígio de doença foi detectado. A cura fora instantânea e completa. O fato, naturalmente, produziu uma total reviravolta, uma euforia, um deslumbramento na vida do Dr. Ricciardi. Era emoção demais para suas velhas coronárias. Depois de tantos anos de críticas e calúnia ao santo capuchinho e de ferozes ataques a Deus, podia finalmente experimentar a felicidade do seu perdão, juntamente com a restituição da saúde. Apesar da avançada idade, ainda tinha alguns anos pela frente, que era preciso aproveitar para, de alguma forma, reconstruir o que até ali destruíra em relação ao padre Pio. E para isto o Céu lhe concedia mais quatro anos de vida. Partiu em 13 de junho de 1932.
Livro Padre Pio O Santo do Terceiro Milênio/pág 250
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